terça-feira, 8 de setembro de 2020

Exagero humano

Exagerar é parte da natureza humana. É algo tão inato e inscrito em nosso ácido desoxirribonucleico, ou DNA para os íntimos, que até nosso sistema imune é especialista em reações exageradas. Algo bem sabido por qualquer um que tenha alguma doença alérgica, tipo rinite, bronquite, bem, as adoradas “ites”. A quem não tem, deixo a recomendação para que agradeça aos céus e saiba que é algo, no mínimo, extremamente irritante. Nossas queridas mensageiras imunes, as citocinas, muitas vezes exageram na dose e geram respostas inacreditavelmente danosas, podendo levar a irritação de espirros em série ou mesmo ao óbito por insuficiência respiratória devido ao inchaço (edema) da glote, causadas por antígenos tão bobinhos e inofensivos quanto amendoim e cocô de ácaro. 

Além do sistema imune temos também outro tipo de sinalização sujeita ao exagero. Ela começa no hipotálamo e termina com as glândulas adrenais produzido cortisol e a tão famosa adrenalina. Conduzindo o sujeito a conhecidíssima como a noite de Paris resposta de fuga ou luta. Porém, quando crônico e, portanto, exagerado, pode conduzir também as doenças relacionadas ao estresse, como a insônia ou a gastrite. Sim, olha aí o "ite" de novo. Só para registrar, ele significa inflamação e não alergia.

Não me levem a mal. Não estou criticando o sistema imune e nem o exagero humano. Como qualquer boa nerd e alguém que venera Darwin e sua teoria, eu entendo que ao longo da evolução esse traço foi fundamental para a sobrevivência de nossa espécie. Afinal, em face de um ruído que pode ou não ser um leão, mais vale liberar quantidades estratosféricas de hormônios estressores e citocinas, para o caso de precisar correr e, possivelmente, ferir-se no caminho.  

O problema, ou solução dependendo do ponto de vista, é que não vivemos mais no ambiente para o qual nossa espécie evoluiu. Em face dos nossos desafios cotidianos, como provas e entrevistas de emprego, liberar os atores dos parágrafos anteriores não trará vantagem nenhuma. Pelo contrário, poderá trazer algumas das doenças contemporâneas, filhas da autoimunidade, do estresse e, sobretudo, do exagero humano.  

As citocinas e suas tempestades são extremamente necessárias, ninguém o nega. Porém, quando estão no lugar e hora errados, bem, aí é complicado. Está aí o Covid-19, SARS-COV-2 para quem não é íntimo, que não me deixa mentir e até levou o termo tempestade de citocinas ao Jornal Nacional. Não que este seja o único exagero humano exacerbado pela atual pandemia, mas isto já é um tema para outro dia e outro texto.